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SAF pode ser a salvação ou armadilha para o futebol brasileiro

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Foto: Christian Hartmann/Agência Brasil

Por João Antonio de Albuquerque e Souza*

A adoção da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) tem alterado de forma significativa o cenário do esporte no Brasil. A Lei 14.193/2021 estabeleceu regras específicas para a transformação dos clubes em sociedades empresariais, exigindo a criação de um regime centralizado de execuções e a destinação de receitas para o pagamento de dívidas herdadas. O modelo surgiu como resposta a uma crise estrutural de endividamento, que atinge a maioria dos clubes brasileiros e que, em muitos casos, já comprometia sua sustentabilidade no longo prazo.


Segundo a legislação, 20% das receitas correntes mensais da SAF e 50% dos dividendos e remunerações recebidas como acionista devem obrigatoriamente ser direcionados à quitação dos débitos anteriores. Além disso, o prazo para pagamento das dívidas não pode ultrapassar 10 anos, sendo a prorrogação de 6 para 10 anos permitida apenas caso haja comprovação de que ao menos 60% do passivo foi liquidado até o sexto ano. Essa estrutura busca conciliar a atração de investimentos com a responsabilidade de manter em dia as obrigações históricas.


A questão central que se coloca é se os credores originais realmente receberão os valores dentro dos prazos estipulados. A experiência recente mostra que, embora a SAF represente uma injeção imediata de capital e a promessa de gestão mais profissionalizada, os passivos permanecem elevados e de difícil liquidação. O Atlético-MG, por exemplo, mesmo já tendo se transformado em SAF, carrega dívidas de aproximadamente R$ 1,5 bilhão, enquanto o Fluminense, que caminha para formalizar a mudança, acumula obrigações de cerca de R$ 870 milhões.


Por isso, a SAF tem funcionado como uma espécie de “tábua de salvação”, capaz de devolver algum poder de investimento e competitividade esportiva aos clubes, mas sem eliminar a necessidade de enfrentar o problema estrutural das finanças. A expectativa dos credores continua sendo o efetivo recebimento dos valores, o que ainda dependerá da disciplina de gestão adotada pelas novas sociedades.


Caso os compromissos não sejam honrados, surge a dúvida sobre quais instrumentos legais serão suficientes para garantir a execução das obrigações. A legislação oferece um caminho formal, mas a prática demonstra que a disciplina financeira nem sempre é uma característica consolidada no futebol brasileiro. Persistir em modelos de administração que gastam mais do que arrecadam, mesmo sob o regime da SAF, pode apenas postergar uma crise ainda mais grave.


Por outro lado, o modelo também abre espaço para avanços importantes. A estrutura empresarial tende a atrair investidores, ampliar a transparência e reduzir a interferência política na gestão dos clubes, pontos historicamente criticados no futebol nacional. O aporte de capital, como ocorreu recentemente com a proposta feita pelos investidores liderados pela gestora LZ Sport ao Fluminense, cria condições para reforços imediatos em elenco e infraestrutura, o que gera resultados esportivos mais consistentes. Esse círculo virtuoso, porém, só se sustenta caso a saúde financeira seja tratada como prioridade.


Há, portanto, um equilíbrio delicado entre a profissionalização da gestão e a responsabilidade com o legado de dívidas. A SAF pode representar um novo patamar de organização para o futebol brasileiro, mas também corre o risco de se tornar apenas uma forma sofisticada de empurrar problemas para o futuro. O sucesso do modelo dependerá, em grande medida, da seriedade com que clubes e investidores assumirem o compromisso de respeitar as regras e priorizar o equilíbrio financeiro.


O tempo será determinante para avaliar a efetividade da SAF no cumprimento das obrigações herdadas. Enquanto isso, credores, torcedores e agentes do mercado acompanham com atenção o desenrolar desse processo, conscientes de que o futuro do futebol brasileiro passa, inevitavelmente, pela capacidade de conciliar resultados dentro de campo com sustentabilidade fora dele.


*João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. Atualmente, é Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil
 
 
 
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